‘I am a visual artist working in expanded drawing, printmaking, social practice and ephemeral installation. My work interrogates place and how the topography and geography of a site can inform and create culture.’
Hy-Brazil: yesterday's utopias to today's dystopias
Susan Leen's interest in cartography led the artist to study maps of Central Europe before embarking on her journey in the direction of the south, for a residency period in Rio de Janeiro. Tightening her focus on the Irish coast, even more specifically, on a small body present on the maps drawn during the late Middle Ages (around the 14th century), she discovered something that would connect her native Ireland to the distant tropical country that she chose as destination: the island Hy-Brazil, located at coordinates 52.0942532 N 13.131269 W on certain maps, opened a new ‘sui generis’ flanked by the research advanced by the artist.
Even though this island no longer figures on the world map, investigations concerning its nature surrounded in myths give the opportunity for a series of reflexions, which provide renewed interest for contemporary thinking. According to the legend, Hy-Brazil was a land of perpetual festivities and pleasure, never reached by mere mortals. The passage below, extracted from a medieval poem, shows its mystical aura:
"In the ocean, that sculpts the rocks where you live,
An enigmatic land appeared it is what they say;
Men consider it a region of light and leisure,
And they called her O'Brazil, the island of the Blessed.
Year after year, in the blue ocean shore,
The apparition line revealed itself wonderful and smooth;
Golden clouds covered the sea where they stood,
It seemed an Eden, far, far away. "
A quick and uncompromised search in Google, another world full of myths, legends, and lies, allows us to embark on a myriad of fantastic stories that feed the forgotten existence of that piece of insular never found land. Among the reports, some refer to a realm of wise and sophisticated people; others allude to the existence of giant black rabbits, while many report a world of abundance and happiness.
What catches the eye, imagination and criticism, however, is the fact that, even before Brazil's discovery, there was an aura of mystery surrounding its name, which signals in advance all the other myths, which followed and remain, until nowadays, haunting or appeasing, depending on the point of view, naturally, of the soul of the Brazilian people. Seven centuries later, this country now prospers and sometimes regresses, but is always invested with renewed hope and a romantic load, following frustrating expectations and aggrandizing speeches as demagogic as populists.
In the later twentieth century, Stefan Zweig would refer to Brazil as the "país do futuro" (1941), something that served both the rhetoric of the dictator Getúlio Vargas as the motto "50 anos em 5", used by Juscelino Kubitschek in his government, also responsible for the construction of another utopic space which populated the global imagination, the city of Brasília. More recently, despite this once again Brazil finds itself surrounded by a thick smoke curtain, just like that of the island never materialized on the coast of Ireland. The last ten years of apparent prosperity, which finally changed the country towards that dream condition of country of the future, this mystical land always willing to embrace supposed utopian thoughts, finishing by involving the name Brazil, once more, in a thick and deceptive smoke curtain: exactly that which enfolded the criticism concerning the government of President Lula and now also serves to envelop the impeachment process of President Dilma Rousseff.
Susan Leen could not, whether by intuition or mere accident, have discovered a better metaphor to describe how much fiction there is in the construction of History. More than just that, her research about Hy-Brazil, facing the present historical moment happening in Brazil, could not have been more opportune.
The installation presented at Despina|Largo das Artes, shows photographs and a film of an action which took place in Largo do São Francisco, which finishes by showing to what extent we live in a crisis of imagination. Far from the always rehashed utopia which boosts Brazil into the future, the people who circulated the square in the historic center of Rio de Janeiro, and who saw a white powder line drawing on the pavement representing the contours of Hy-Brazil, seemed to ignore completely the presence of a strange body in the geography of this square full of grills and bathed in history. Above it, they walked with no time or inclination to digressions. The current reality seems no longer to authorize our daydreams.
But, yes, there was a glimmer of hope; the only creature to recognize the existence of Hy-Brazil over the Portuguese bricks of that square was a street child, who spent time playing on the fading contours of that piece of utopia in the contemporary world.
Text by curator Bernardo José de Souza
Translated into English by Jeferson Carlos
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Hy-Brasil : das utopias de ontem as distopias de hoje
O interesse de Susan Leen pela cartografia fez com que a artista estudasse os mapas da Europa Central antes de embarcar em sua jornada ruma ao sul, para um período de residência no Rio de Janeiro. Ao fechar seu foco sobre a costa irlandesa, e mais especificamente ainda, sobre um pequeno corpo presente nas cartografias desenhadas durante a alta Idade Media (por volta do século XIV), descobriu algo que conectaria sua terra natal, a Irlanda, ao distante pais tropical que escolheria como destino: a ilha Hy Brasil, situada as coordenadas 52.0942532 N e 13.131269 W de alguns mapas, abrira um novo e sui generis flanco na pesquisa promovida pela artista.
Muito embora esta ilha não mais figure no mapa-múndi, investigações quanto a sua natureza envolta em mitologias, ensejam uma serie de elucubrações que a dotam de renovado interesse ao pensamento contemporâneo. Segundo reza a lenda, Hi Brazil seria uma terra de prazer perpetuo e festejos, jamais alcançada pelos meros mortais. O trecho a seguir, extraído de um poema medieval da conta de sua aura mística:
“No oceano que esculpe as rochas onde moras,
Uma terra enigmática apareceu, e o que contam;
Os homens a consideraram uma regia de luz e descano,
E a chamaram de O’Brazil, a ilha dos Bem-Aventurados.
Ano apos ano, na margem azul do oceano,
A linha aparição se revelava encontadora e suave;
Nuvens douradas encortinavam o mar onde eles se encontrava,
Parecia um Éden, distante , muito distante.”
Uma rápida e descompromissada pesquisa pelo Google-outro mundo repleto de mitos, lendas e mentiras-nos permite embarcar em uma miríade de estórias fantásticas a alimentar a esquecida existência daquele pedaço de terra insular jamais encontrada. Entre os relatos, alguns remetem a um reino de gente sabia e sofisticada, outro alude a existência de gigantes coelhos negros, enquanto muitos dão conta de um mundo de abundancia e alegria.
O que salta aos olhos, a imaginação e a critica, entretanto, e o fato de, mesmo antes de descobrimento do Brasil, haver já uma mística envolvendo esse nome, a qual sinalizaria antecipadamente todas as outras mitologias que se seguiram e permanecem, ate os dias de hoje, assombrando ou apaziguando, dependendo da ótica, logicamente, a alma do povo brasileiro. Sete séculos mais tarde, este pais que ora prospera e ora regride, mas sempre investido de renovada esperança e carga romântica, seque frustrando expectativas e enaltecendo discursos tão demagógicos quanto populistas.
Já adiantado século XX, Stefan Zweig referiri-se-ia ao Brasil como o “pais du futuro’ (1941), alogo que serviria tanto a retórica do então ditador Getulio Vargas quanto as mote “50 anos em 5”, entoado por Jucelino Kubitschek em seu governo, também responsável pela construção de outro espaço utópico a povoar a imaginação mundial, a cidade de Brasília. Mais recentemente, não obstante outra vez o Brasil encontra-se envolta em uma espessa cortina de fumaça, tal qual aquela da ilha jamais materializada na costa da Irlanda. Os últimos dez anos de aparente prosperidade, que por fim alcarim o pais a tal sonhada condição de pais do futuro, terra mítica sempre disposta a abraçar supostos pensamentos utópicos, acabariam por envolver o nome Brasil, outra vez mais, em uma espessa e enganadora cortina de fumaça: justamente aquela que encobriu as criticas quanto ao governo do presidente Lula e que agora também serve para embalar o processo de impeachment a presidente Dilma Roussef.
Susan Leen não poderia, quer seja por intuição ou mero acidente, ter descoberto melhor metáfora para descrever o quanto ha de ficção na construção da Historia. Mais do que isso, sua pesquisa sobre Hy-Brasil, face ao presente momento histórico atravessado pelo Brasil, não poderia ter sido mais oportuna.
Na instalação que apresenta na Despina|Largo das Artes, exibe fotografias e um filme registro da ação que desenvolveu no Largo São Francisco, o qual acaba por revelar o quanto vivemos uma crise de imaginação. Distantes da sempre requentada utopia a impulsionar o Brasil vez que outra rumo ao futuro, as pessoas que circulavam pela praça histórica do centro carioca, e que La deparar-se-iam com linha de pó branco a desenhar no pavimentos os contornos de Hy Brazil, pareciam ignorar por completo a presença de um corpo estranho na geografia daquela praça repleta de grades e banhada pela Historia. Por sobre ela, caminhavam sem tempo ou disposição para divagações. A realidade atual parece não mais nos autorizar a devaneios.
Mais, sim, haveria de existir uma centelha de esperança; a única criatura a reconhecer a existência de Hy Brasil sobre as pedras portuguesas daquele Largo foi uma criança de rua, que gastou sem tempo a brincar sobre os esmaecidos contornos daquele pedaço de utopia no mundo contemporâneo.
Bernardo José de Souza
Curator Despina| Largo das Artes